Reflexões de Luciano Alves Meira
Para Fundação Dom Cabral (Julho/2025)
“Se está pesado, está errado.”
~ Márcia Lerina
Nossa geração vive em um cenário novo, que tende a ser complexo, hiper estimulante, conflituoso, incerto, destituído de uma narrativa com sentido unívoco e, em função de tudo isso, emocionalmente “pesado”.
Todos estamos, em algum grau, ATURDIDOS.
Aturdido: significado número 1, de acordo com o Houaiss: “com a mente ou os sentidos perturbados; atordoado, desnorteado, tonto”. Mas há um segundo significado de que tratarei mais adiante.
Nenhum de nós possui poderes mágicos para moldar o rumo dos acontecimentos nesse bonde incontrolável que chamamos de “mundo”.
Coletivamente, estamos tão “rachados” e afastados uns dos outros que tampouco somos capazes de encaminhar soluções sinérgicas para os nossos problemas.
Há um sentimento de fundo com sabor de impotência. Tendemos a nos tornar reativos e a nos chocar contra a realidade, mas o resultado dessa atitude quixotesca é o esmagamento mental e emocional. Alguns, por isso, se alienam, procuram fugas em teorias da conspiração ou no cinismo.
A pergunta que se impõe é esta: como proceder positivamente diante dessa dura condição existencial dos nossos tempos?
A resposta está na noção de que embora não tenhamos o poder nem a liberdade de mudar a realidade que nos condiciona, podemos, sim, escolher o modo como nos relacionamos com ela.
O famoso psiquiatra e filósofo Viktor Frankl, criador da Logoterapia, escreveu:
“O Ser Humano não está livre de condições, sejam elas de natureza biológoca, psicológica ou sociológica; mas ele é livre (e sempre será) para se posicionar em relação a essas condições, determinando sua atitude em relação a elas. Somos livres para nos elevar acima do plano dos determinantes somáticos e psíquicos de nossa existência”. (A Falta de Sentido, editora Auster, página 100).
Para realizar essa VIRADA, para superar a condição de ATURDIDOS, precisamos mudar nossa abordagem, fazendo ajustes de DIREÇÃO e de EXPECTATIVAS. Vejamos essas possibilidades mais de perto.
Ajustes de Direção:
Em vez de reagir ao que está “aí fora”, precisamos investir em nos fortalecer interiormente.
A grande contribuição da Filosofia não está em sua tentativa racional de explicar o mundo, mas na intuição de grandes pensadores como Sócrates, Agostinho, Espinosa, Bergson de que a sabedoria está em nos conhecermos a nós mesmos antes de tudo.
“Há em cada ser humano um Deus interior, o qual, se tu quiseres, ordenará em cosmos o teu caos doloroso. Por isso, sigamos o dístico do frontispício do templo de Apolo em Delfos: Conhece-te a ti mesmo”. Sócrates
Ajuste de 3 grandes expectativas
Cuidado com a expectativa de perfeição moral
3000 anos de tradições sociais e religiosas nos obrigam, intimamente, à busca de uma perfeição moral. Mas quando focamos nesse objetivo irrealizável nós nos tornamos reprimidos e/ou hipócritas, incomodados por aqueles que lidam melhor com a autoaceitação.
Em vez de nos exigirmos perfeição moral, será preferível assumir, corajosamente, nossas imperfeições, empenhando-nos no caminho do autoconhecimento, lidando abertamente com nossa luz e nossa sombra, adotando um modo de crescimento, que envolve tentativa, erro e aprendizagem.
Cuidado com a expectativa de hiperprodução
300 anos de revolução industrial nos obrigam intimamente à busca da hiperprodutividade; achamos que nosso valor está em tudo fazer e tudo resolver. Mas quando focamos nesse objetivo, sentimo-nos sobrecarregados e deixamos de distinguir o que é e o que não é essencial para nossas breves existências, cedendo ao apelo de uma sociedade hiperpragmática (a sociedade do cansaço), em que nossa vida sentimental e espiritual é esmagada.
Em vez de nos exigirmos a hiperprodução, tenhamos o discernimento de fazer escolhas sobre o que é essencial, sobre o que realmente queremos realizar segundo nossos valores mais profundos e que tipo de legado queremos deixar para as pessoas importantes de nossas vidas.
Cuidado com a expectativa da felicidade constante
30 anos de internet e seus derivativos mais recentes que são as redes sociais, nos obrigam à busca da felicidade constante: chegamos a acreditar que o único modo digno de vida é aquele que rende imagens de sucesso, riqueza, beleza, luxo, ostentação, e que se alguns aparentam viver nessa ilha imagética de felicidade constante, sempre com um sorriso no rosto, tal disposição – exacerbada pelo poder do marketing dos que lucram com a venda de ilusões – deve ser acessível a todos. E se alguém não é capaz de manifestar esses atributos, com ou sem ajuda dos coaches do sucesso imediato, deve se sentir culpado pela falta de vontade e de perseverança.
Em vez de nos exigirmos um estado de felicidade constante, ampliemos a consciência de nossa vulnerabilidade emocional, compreendendo melhor os gatilhos que nos fazem sofrer exageradamente, aprendendo a responder autenticamente aos altos e baixos da jornada, buscando nos apoiar mutuamente, tecendo vínculos afetivos solidários e estando, sempre que possível, em conexão com a Natureza e com o silêncio, porque é no retorno a Si Mesmo, à Natureza e ao Amor que se encontram a cura de nossa alma contemporânea, tão ferida, tão marcada pela artificialidade, tão sobrecarregada!
Precisamos encontrar uma nova leveza para viver, aquela que já está em nós mesmos, mas segue sufocada.
O segundo significado da palavra ATURDIDO no Houaiss é: “assombrado, maravilhado”. Se conhecêssemos e apreciássemos melhor a beleza da essência imponderável que constitui o nosso SER, poderíamos relaxar um pouco mais e fluir em nossa própria identidade espiritual.
O sábio havaiano Joel Goldsmith ensinava que, no fundo, tudo o que procuramos e precisamos nesta vida está em nós mesmos; melhor ainda: é o que já somos.