As três concepções de trabalho
Para a maioria das pessoas, o trabalho é visto como um ganha-pão, e nada mais. O problema dessa concepção é que ela é reducionista e afeta a experiência toda, tornando-a automática e transacional: uma troca de esforço por dinheiro, e só. A energia dessa transação é pequena e circular, nunca se expande, e tende à entropia, bem ao estilo do Mito de Sisifo: “seus braços sustentavam a gigantesca pedra, e com ajuda dos pés e das mãos queria empurrá-la para o cume da montanha; mas mal atingia a crista, uma força súbita a impelia fazendo-a rolar para baixo”.
Com o passar dos anos, o trabalho tende a assumir a configuração de uma obrigação penosa e indesejável: “comerás o pão no suor de teu rosto”, diz a alegórica sentença da “expulsão do paraíso”. O trabalhador preso a esse ciclo só conhece alguma alegria para além das muitas horas de labuta diária que custam a passar, tediosamente, todos os dias. Não por acaso, o termo trabalho tem suas raízes etimológicas no Latim, “tripalium”, que era um instrumento dos antigos romanos para imobilizar cavalos e bois na agricultura, e que acabou sendo também usado para torturar os escravizados do império.
Para um segundo grupo menor de pessoas, o trabalho é uma experiência mais emocionante e viva, porque elas enxergam nele uma possibilidade de crescimento pessoal e profissional: uma “carreira”, com objetivos, metas, ambições… O problema nesse nível é o fantasma do estresse crônico que costuma acompanhar o trabalhador engajado, especialmente se o ambiente em que ele atua for marcado por rivalidades individualistas e uma cultura de “cenouras e chicotes”, premiações e punições, incentivos e ameaças… Obviamente, porque o sistema capitalista é uma pirâmide hierarquizada de funções, apenas uma minoria consegue galgar os degraus do crescimento, pagando por ele altos preços que podem incluir a perda da integridade, da qualidade de vida e da saúde, enquanto que, para os ambiciosos que fracassam resta somente a frustração. Muita gente se desilude da carreira nesse processo, compulsoriamente, por problemas de saúde, ou, livremente, em busca de atividades alternativas. Muitos que começaram suas carreiras entusiasmados caem para o primeiro nível do trabalho, suportando-o apenas como um “ganha-pão”.
O acepção plena do trabalho (que nesse caso deveria ser rebatizado) fica reservada para um terceiro grupo de pessoas, por enquanto bastante restrito: são aquelas que encontraram no trabalho um chamado espiritual, uma experiência de expansão da consciência, em que a nossa subjetividade mais profunda e criativa se objetiva no mundo, transformando-o. O trabalho nessa chave se torna, como escreveu Gibran, “o amor feito visível”, uma fonte inesgotável de renovação, que nunca se prende a recompensas, mas sim ao sentido e à perspectiva de que “o Espírito em mim serve o Espírito em ti”.
É nessa terceira acepção de trabalho – por mais simples que ele seja na prática – que se resolve a dialética “indivíduo & coletividade”: porque valores culturais, sociais, econômicos e ambientais são realizados ao mesmo tempo em que o potencial humano de cada um se efetiva: tornamo-nos quem podemos ser por força da ação criativa.
Luciano Alves Meira – Professor, Escritor e Co-fundador da Caminhos Vida Integral.