O AGIR SEGUE O SER
Como os Níveis de Consciência determinam a qualidade da Liderança e a sustentabilidade dos resultados.
Luciano Alves Meira
Muito se tem falado sobre a necessidade de humanização da Liderança para superarmos a arraigada tendência de objetificação e instrumentalização das pessoas que caracteriza o ambiente de trabalho desde os tempos em que Adão e Eva deixaram o paraíso. O tema vai se tornando imperativo para as organizações em geral, menos por razões desinteressadas – preocupação genuína com o crescimento e bem-estar das pessoas – do que pela necessidade de reduzir custos com absenteísmo, rotatividade, falta de engajamento, dificuldade para atrair os talentos das novas gerações etc.
Neste artigo, procuro demonstrar que a promoção sustentável dessa transformação qualitativa da liderança depende de que as mudanças comportamentais esperadas sejam acompanhadas de um correspondente amadurecimento dos líderes. Procurarei responder de forma sintética às seguintes perguntas: O que são níveis de consciência? Quais são esses níveis segundo pesquisas confiáveis? Como esses níveis impactam o comportamento dos líderes? Como auxiliar um líder a transitar entre níveis preparando-se, assim, para lidar com a crescente complexidade do cenário atual?
O que são Níveis de Consciência?
O filósofo norte-americano Ken Wilber prestou-nos um grande serviço ao correlacionar o trabalho de dezenas de estudiosos do desenvolvimento humano, entre os quais Jean Piaget, Jean Gebser, Erik Ericson, Clare Graves, Jane Loevinger, Susanne Cook-Greuter e Robert Kegan, todos eles apontando para conclusões semelhantes a esta: nossa consciência é expansível! Crescer e amadurecer significa abrir nossa capacidade de conhecer e interpretar a realidade por perspectivas que não se encontravam ao nosso alcance anteriormente.
Não é tão difícil para o leigo em psicologia entender o sentido dessa afirmação porque todos passamos por metamorfoses de valores e de “visão de mundo” à medida em que atravessamos a infância, a adolescência e a juventude, até nos tornarmos adultos. Seria no mínimo estranho se nossas prioridades existenciais fossem as mesmas aos 13 e aos 50 anos de idade. Ninguém sai ileso do choque contra a experiência, dos sucessos e fracassos, da aquisição de saberes, do encontro com o outro, do mergulho no desconhecido.
Wilber sintetiza assim o processo e suas principais consequências:
A maioria das pessoas pensa que o que elas veem lá fora é realmente o que está lá fora, e que o mesmo mundo está disponível para todos – tudo o que elas têm de fazer é olhar. Mas o que os estudos de desenvolvimento mostram inequivocamente é que, em cada nível de desenvolvimento, realmente vemos, sentimos e interpretamos o mundo de formas dramaticamente diferentes.
Embora tenhamos a intuição do potencial expansível de nossa consciência, faltanos um roteiro bem desenhado que apresente os estágios disponíveis para o nosso crescimento. As demandas cada vez mais complexas que recaem sobre os ombros dos líderes requerem deles percepções, posturas, habilidades e tomadas de decisão cada vez mais sofisticadas que vinculem adequadamente as dimensões estratégica, econômica, tecnológica e, principalmente, humana do crescimento organizacional. Não é por acaso que verdadeiros gênios dos negócios têm deixado legados de destruição e sofrimento por onde passam, justamente por não estarem à altura do desafio atual que não é pequeno.
Precisamos de um mapa abrangente de desenvolvimento da Liderança. Não se trata apenas de estimular esta ou aquela competência em particular, mas de provocar o crescimento do indivíduo na condição de Ser Integral. Santo Agostinho, um dos mais argutos pensadores do autoconhecimento de todos os tempos, afirmava que o agir segue o ser (agere sequitur esse), o que equivale a dizer que o nível de consciência a partir do qual operamos engendra nossas posturas e comportamentos naturalmente, sem necessidade de “adestramento” ou de controles externos. É por isso que o desenvolvimento da consciência é uma experiência libertadora para o líder e seus liderados.
Quais são os Níveis da Consciência?
O modelo desenvolvido pelo professor Robert Kegan, psicólogo cognitivo, pesquisador, consultor e Professor de Aprendizagem de Adultos da Harvard University´s Graduate School of Education, é um desses mapas valiosos que deveríamos adquirir com alegria, especialmente se consideramos relevante o tema da Liderança.
A seguir, apresento os seis estágios de desenvolvimento cognitivo ou níveis de consciência do Ser Humano, tais como descritos na obra do doutor Kegan em seu livro An Everyone Culture. Evitei a literalidade na tradução dos termos, pensando nas diferenças culturais entre o Brasil e os Estados Unidos. Observe o leitor, que a partir do quarto nível ou estágio, os impactos sobre as relações que envolvem a Liderança são, simplesmente, decisivos.
Primeiro nível – A Mente Indiferenciada:
antes de termos uma consciência individual ou ego pessoal, no primeiro ano de vida, nossa percepção de mundo é explicada como sendo um fenômeno de fusão indiferenciada. Não há o bebê e a mamãe, porque a mamãe, do ponto de vista do bebê, é uma extensão irredutível de si mesmo. Na verdade, para a Mente Indiferenciada, na sua condição de baixa autoconsciência, tudo é extensão do si-mesmo, não somente a mamãe. A jornada de desenvolvimento da consciência está apenas começando.
Segundo nível – A Mente Reconhecedora:
a consciência de si, por processos que os neurocientistas como Antonio Damásio começam a desvendar, emerge no segundo ano de vida. Kegan explica que, nessa etapa, as crianças passam a controlar seus reflexos e a reconhecer os objetos externos ao si-mesmo. Nesse caso, já temos um ego ou consciência pessoal mínima que se vai desenvolvendo nas interações com o ambiente. O mundo está todo ele por explorar, por descobrir, e o impulso natural da Mente Reconhecedora é avançar, com aguda curiosidade. Nessa condição, nossas habilidades de relacionamento são ainda rudimentares, e muito de nossa “vida social”, deve-se à imitação, uma função dos nossos “neurônios-espelho”. Nessa fase, afirma outro psicólogo da cognição, o doutor Howard Gardner, também de Harvard, as crianças são naturalmente egocêntricas, o que significa dizer que têm grande dificuldade de aceitar como válidos pontos de vista diferentes dos seus próprios. Elas tendem a projetar suas emoções e suas interpretações da realidade em todos à sua volta. Se o sabor de um alimento é desagradável para ela, deve ser desagradável para todos. Os adultos tentam muitas vezes “alargar” esse reducionismo egocêntrico infantil, orientando as crianças segundo seus critérios mais “abertos”, mas o “crescimento” nesse caso, se é que ele ocorre, é sempre artificial e sujeito à regressão.
Terceiro nível – A Mente Estruturada: por volta do que se considera a idade escolar (entre 6 e 7 anos), as crianças estão sendo desafiadas a não apenas interagir com o mundo, mas explicá-lo. Alguns pais chamam essa fase de a idade dos porquês. Foi nessa etapa que Einstein ganhou uma bússola do pai e começou a investigar o significado e o funcionamento da lei da gravidade. E mesmo para nós que não somos geniais, é nessa fase que passamos a estruturar nossas mentes para receber e acomodar os frutos de uma nascente racionalidade reflexiva. Em suma, aprendemos a mediar nossas experiências pelo pensamento. Ao mesmo tempo, somos instigados pelas circunstâncias a lidar, pela primeira vez, com as nossas próprias emoções. Lembro-me que, aos 7 anos, senti-me constrangido a não chorar diante de meus colegas de classe. Eu estava longe de saber como lidar adequadamente com minhas emoções (continuo trabalhando nisso aos 59), mas já era obrigado a fazê-lo, ainda que desastradamente.
Quarto nível – A Mente Socializada: desse ponto em diante, a estruturação cognitiva se consolida aos poucos, até que cheguemos à adolescência que é a transição para a vida adulta. Obviamente, a forma pela qual somos educados por nossos pais e professores, e a influência geral dos ambientes que frequentamos, tem grande influência sobre o quanto de nossos potenciais florescerão no passar dos anos. O cartoon a seguir ironiza uma das falhas típicas de nossa mentalidade educadora:
Embora todas as dimensões da existência sejam afetadas em cada nível de desenvolvimento, o cerne desse processo se refere à nossa capacidade de vivermos harmoniosamente em sociedade. Como sabemos, a estabilidade das relações sociais depende da aderência das pessoas aos costumes, tradições, convenções, acordos, normas, leis e regulamentos. Uma boa ilustração desse desafio é o que se dá no trânsito de nossas grandes cidades. Sem o conhecimento das regras e sem aderência a elas, o ir e vir de automóveis e pedestres se tornaria caótico e inviável. Qualquer motorista que resolva se rebelar contra as leis de trânsito se tornará um delinquente, convertendo-se em um instrumento de violência nas ruas, e acabará sendo detido e processado pelas autoridades.
No sistema de Kegan, a etapa de desenvolvimento da consciência em que aprendemos a priorizar a harmonia das vivências sociais, chama-se Mente Socializada. Há, nesse nível, uma forte ênfase em posturas de conformidade em relação às expectativas externas. Os criadores de problema são malvistos, as opiniões divergentes são reprimidas. Questionar o status quo ou pensar de forma independente gera incômodo. Concordar e atender às demandas sem hesitação é tido como sinal de integração e engajamento. E, assim, para resolverem suas necessidades de aceitação e sentirem-se “pertencentes”, as pessoas se submetem a essas expectativas e aprendem a evitar conflitos.
Aparentemente, é isso o que as organizações mais desejam: ter em seus quadros pessoas disciplinadas e cumpridoras de suas responsabilidades profissionais. Entretanto, as pesquisas demonstram que não é isso o que está ocorrendo nesse nível de consciência, já que o senso de responsabilidade nesses casos é pouco mais que uma máscara mal ajambrada. Diante dos primeiros obstáculos mais sérios, as máscaras caem e tem início o festival de acusações, agressões, lamentações, fugas e desistências. Trata-se de uma configuração problemática para organizações que operam em mares de complexidade, buscando estabelecer culturas de aprimoramento contínuo, crescimento rápido e inovação.
Especialmente no caso dos líderes, os comportamentos derivados da Mente Socializada se tornam bastante disfuncionais, servindo de fertilizante no pomar da politicagem que, como sabemos, gera frutos azedos e, às vezes, até mesmo podres. Senão vejamos: como estão em busca de sua autoafirmação e ainda carentes de aceitação social, focam muito de suas melhores energias em esforços para não decepcionar quem os pode avaliar ou promover. Tornam-se, em certo grau, reféns das opiniões alheias e reativos aos caprichos das pessoas ao seu redor. Estão sempre tensos, “pisando em ovos”, tentando conciliar suas verdades pessoais com o que “precisa ser dito”, usando a insinceridade ou o silêncio como mecanismos de sobrevivência, e como ninguém tem “nervos de aço”, acabam por assumir posturas de autoritarismo junto aos seus liderados e de vitimização junto aos seus líderes. Quantos gestores em posição tática sabem como mediar adequadamente as demandas da direção organizacional com as expectativas dos membros de suas equipes?
Os danos e prejuízos que daí decorrem foram bem apresentados e explicados pela Professora Amy C. Edmondson, mais uma pesquisadora e professora de Harvard, em seu livro “A Organização sem Medo”, e também pelo consultor Patrick Lencione, no bestseller “Os 5 Desafios das Equipes”. Pode parecer um paradoxo, mas o resultado de se focar demais na conformidade é perdê-la, juntamente com a capacidade da ousadia. Ao final, temos um ambiente tóxico, de caça às bruxas, com pessoas estressadas ou desanimadas, refratárias ou acomodadas, vivendo no automático para garantir seus salários, tentando se livrar de culpas e responsabilizações. Esse é um retrato deprimente, mas realista, do que se passa em organizações de todas as esferas em nossos dias.
Quinto nível – A Mente Autoral: para “curar” os ambientes de trabalho, as consultorias de Recursos Humanos prescrevem, na melhor das intenções, programas que estimulam a gestão da cultura, a segurança psicológica, o desenvolvimento de soft skills, a Liderança Positiva, a Liderança Humanizada, as vivências de team building e daí por diante. Nada contra esses conteúdos e metodologias. A nossa empresa de educação – Caminhos Vida Integral – trabalha também com esse tipo de experiências, mas é muito importante aprofundar nossa compreensão sobre o contexto em que essas iniciativas devem ser implementadas, se quisermos que sejam efetivas e sustentáveis. Para começar, não subestimemos o desafio, tomando para nós o sábio conselho que nasceu das vivências brutais de Sir Winston Churchill:
Não existe erro mais grave na liderança do que alimentar falsas esperanças que logo se desvanecerão.
Digamos que vigora nesse caso uma “lei da gravidade” que se for ignorada impedirá a nossa evolução, por melhor que sejam nossos programas de T&D. Que lei é essa? A lei do autoconhecimento! Quem não se conhece profundamente não avança além da Mente Socializada. Aceito essa máxima como uma equação do segundo grau da psicologia do desenvolvimento. Somente um mergulho visceral no simesmo e seus mistérios pode nos levar a romper os obstáculos que impedem a transição para o próximo nível que se chama Mente Autoral.
O filósofo espanhol Ortega y Gasset ensinava que o ser humano somente assume a plenitude de sua capacidade quando adquire consciência clara de si mesmo e de suas circunstâncias. O maior obstáculo neste ponto é que pessoas imaturas simplesmente não se interessam por essa transição, e não há ninguém que as possa obrigar a mudar de ideia. O melhor que podemos fazer é criar estímulos inteligentes, envolventes e bem encadeados que venham a promover a evolução do ser, mas essa é uma tarefa que poucos educadores e gestores de RH conseguem realizar, principalmente porque raramente recebem o apoio estrutural para fazê-lo. Ainda vemos pessoas em postos de “alto comando” que ignoram totalmente o tema do qual estamos tratando aqui, e, por ignorá-lo, não atribuem a ele qualquer relevância, tanto quanto os médicos, até o século XIX, achavam uma grande bobagem e uma perda de tempo ter de lavar as mãos no intervalo entre um procedimento de necropsia e a realização de um parto. Eles não conheciam o poder infectante dos micro-organismos, e tomavam parte ativa na transmissão das doenças.
Em geral, na ausência de programas bem estruturados, o que faz alguém buscar o autoconhecimento são as próprias circunstâncias trágicas da existência: o fracasso, as perdas, as decepções e os erros pessoais que levam ao “fundo do poço” preparam nosso caminho para o amadurecimento, embora nem mesmo essas condições garantam o despertar da mentalidade e da disposição necessárias ao crescimento. Como educador, entretanto, sigo acreditando no poder da educação, até porque já presenciei, muitas vezes, os belos desdobramentos que ela pode proporcionar.
Kegan explica que uma Mente Autoral está sempre começando pela autocritica, pela autorregulação e pela autorreflexão, que são vetores apontando para o autoconhecimento e à humildade. Um líder assim, antes de perguntar se as pessoas ao seu redor são confiáveis, perguntará: “Eu tenho sido confiável para elas? O que posso fazer para que os outros encontrem em mim um porto seguro de seu próprio desenvolvimento?” Chamo essa postura de socrática, referindo-me à lendária expressão do filósofo ateniense: “Só sei que nada sei!”. É sob o peso dessa postura aberta e autorreflexiva que os líderes começam a projetar o seu eu autêntico em tudo o que fazem, não mais para agradar os outros ou para exibir seus poderes, mas para serem coerente com seus próprios valores, mesmo que isso tenha um preço a pagar de “perdas” temporárias, de desvantagens imediatas, que se converterão em ganhos duráveis no longo prazo ou nos quais devemos incorrer por ser, simplesmente, a coisa certa a fazer.
Sabemos que estamos diante de líderes que alcançaram a Mente Autoral porque eles passam a pedir feedback com naturalidade, e gostam de conhecer pontos de vista diferentes dos seus, incluindo o máximo possível de vozes das pessoas à sua volta – especialmente vozes discordantes –, nos processos de tomada de decisão. Também não consideram que o fato de pedir ajuda, de se mostrarem vulneráveis ou se desculparem por erros cometidos seja uma ameaça à força de sua liderança. Ao contrário: sentem-se cada vez mais vinculados às suas equipes pela força da cumplicidade que se estabelece nos momentos de maior fragilidade e incerteza. É um tipo de postura que concilia a flexibilidade mental com o hábito de assumir responsabilidades individuais e coletivas.
Antes desse estágio, dificilmente um líder se sairá bem em situações que incluem ambiguidade e exigem pensamento sistêmico: sentem-se atormentados diante de situações que envolvem polaridades irredutíveis do tipo: propósito versus lucratividade ou alto desempenho das equipes versus qualidade de vida dos seus membros… Na impossibilidade de manterem o equilíbrio dinâmico dessas tensões, o que lhes ocorre? Regressões comportamentais!Mesmo depois de terem feito cursos e vivências sobre o tema, ao se depararem com demandas aparentemente contraditórias, caem no exagero do polo que lhes parece mais familiar.
Sexto nível – Mente Autotransformadora: Conforme o que já ficou implícito, nossos níveis de consciência são acompanhados de um correspondente sistema de valores. Assim, na Mente Socializada, os valores prioritários derivam de uma necessidade vital de provarmos as nossas capacidades e qualidades pessoais a nós mesmos e aos outros. Lembro-me de ter assistido a uma entrevista com um brasileiro que na época era já um bilionário e que sonhava em se tornar o homem mais rico do mundo. A repórter perguntou a ele: “Por que você tem essa ambição?”, e ele respondeu com uma espécie de singeleza infantil: “Para ser respeitado pelas pessoas”. Pensei com os meus botões: “Meu Deus, se alguém julga que precisa se tornar a pessoa mais rica do mundo antes de ser respeitada, o quanto de suas carências psíquicas e afetivas estão dirigindo o seu sistema de valores? Acho pouco provável que o império que ele está construindo sob essas condições de liderança seja sustentável”. Dito e feito: não prosperou.
Já os valores prioritários que derivam da Mente Autoral, como vimos, são os de Autoconhecimento, fazendo uma grande diferença qualitativa na vida dos líderes e de suas equipes. Uma certa massa crítica de líderes com Mente Autoral é essencial para as organizações contemporâneas. Contudo, nas pesquisas de Kegan, para usar uma expressão camoniana, valores ainda mais altos se alevantam. A Mente Autoral se revela como uma etapa de transição para um nível de maior amplitude ainda.
Imagine um líder que se sente tão realizado em relação ao si-mesmo que possa, tranquilamente, se desprender de qualquer necessidade projetiva de seu ego ou personalidade. É o que Kegan chama de Mente Autotransformadora e o que Jim Collins denomina de Líder Nível 5. Eles estão devotados a resultados superiores de longo prazo, mas o fazem por razões que a maioria de nós sequer compreende, porque ultrapassam necessidades egocêntricas e etnocêntricas de todos os tipos. Sem nenhuma artificialidade, vivem uma vida dedicada ao cumprimento de uma missão, tomados por um senso de grandeza e, se isso trouxer benefícios para a causa, podem até desaparecer por trás de seus feitos, anonimamente. Esse tipo de experiência, infelizmente, ainda é raro entre nós, conforme constatou o próprio Kegan, e, quando ocorre, pode passar despercebida, justamente pela tendência à discrição.
Alguns desse líderes, porém, tornam-se conhecidos e inspiram gerações. Lembrome de ter sentido que estava diante de alguém assim quando, em 1999, participei na Cidade do Cabo, na África do Sul, de um evento internacional que foi encerrado por um discurso de Nelson Mandela em pessoa. De alguma forma, aquele homem havia se entregado a algo muito maior do que ele, e os 27 anos que passou na cadeia, injustamente, parecem ter consumido as suas presunções e o seu ego pessoal, sem dissuadi-lo, porém, dos objetivos da causa coletiva que abraçara muito tempo antes.
Esses líderes, já tendo realizado em si o valor da impermanência de tudo, sabem identificar as ilusões das vaidades humanas que perdem o sentido diante da perspectiva da morte. Por outro lado, passam a compreender firmemente que o sentido de seus esforços está em servir, despretensiosamente, na grande correnteza subterrânea da solidariedade universal que liga a humanidade do passado, do presente e do futuro, na fascinante aventura da existência. A esse título, sempre gostei do texto do dramaturgo, escritor e jornalista irlandês, George Bernard Shaw (1856-1950), que captura de modo exemplar os valores da Mente Autotransformadora:
Esta é a verdadeira alegria da vida: ser usado por um propósito que você considera poderoso… tornar-se uma força da Natureza, em vez de satisfazer-se com o papel doentio dos egocêntricos que vivem a se queixar de que o mundo falhou na tarefa de entregar-lhes a felicidade de mão-beijada. Acredito que a minha vida pertence à sociedade inteira e que, enquanto eu estiver vivo, é meu privilégio fazer por ela tudo o que estiver ao meu alcance. Quero que, ao morrer, todas as minhas forças e talentos tenham sido usados nesse belo serviço, pois quanto mais eu me esforço por realizá-lo com dignidade, mais eu me sinto vivo. É por isso que me regozijo pela vida em si mesma. A vida não é uma vela que queima frugalmente para mim. Ela é um tipo de tocha magnífica que preciso manter elevada e acesa, e desejo que ela queime e espalhe seu brilho tanto quanto seja possível, até que chegue o momento de entregá-la às futuras gerações.
Pronto! Já temos em mãos um mapa para nos guiar no imenso e árduo projeto de desenvolvimento dos líderes em geral. Mas esse tipo de projeto só terá futuro se nos empenharmos nele, dentro de um saudável espírito colaborativo, com muita persistência, sem nos esquecer de que o nível de consciência determina nossos comportamentos. O agir segue o ser.
Luciano Alves Meira é professor, escritor e co-fundador da Caminhos Vida Integral
Artigo publicado no site www.caminhosvidaintegral.com.br em fevereiro de 2024.
Bibliografia:
COVEY, Stephen R. First Things First – Como definir prioridades em um mundo sem tempo. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1994.
COLLINS, Jim. Empresas Feitas para Vencer. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
DAMÁSIO, António. Sentir & Saber – As origens da consciência. São Paulo; Cia das Letras, 2022.
EDMONSODSON, Amy C. A organização sem medo. Rio de Janeiro: Alta Books, 2020.
KEGAN, Robert e LAHEY, Lisa. An Everyone Culture – Becoming a Deliberately Developmental Organization. Boston: Harvard Business School Publishing, 2016.
LENCIONE, Patrick. Os 5 Desafios das Equipes – Uma história sobre liderança. Rio de Janeiro: Sextante, 2015.
WILBER, Ken. Meditação Integral – Mindfull como um caminho para crescer, despertar e estar presente em sua vida. Goiânia: Editora Vida Integral e Petrópolis: Editora Vozes, 2020.